Laranja e Petróleo Fora do Tarifaço Trump: Pragmatismo Estratégico ou Dependência Mútua?

Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.

Desde 30 de julho, data em que Donald Trump assinou o decreto que define a taxação de 50% a inúmeros produtos brasileiros, reacendeu mundo afora os debates sobre política comercial, geopolítica e o lugar do Brasil no tabuleiro global.

A medida gerou reação imediata nos mercados. O Ibovespa cedeu, o dólar subiu, e a lista dos setores afetados virou pauta em relatórios, mesas de operação e editoriais. Mas, entre as quase 700 exceções que escaparam da alta tarifária, dois produtos chamaram atenção: laranja e petróleo. Não foi um gesto simbólico, foi um recado claro.

O que faz da laranja e do petróleo peças intocáveis? E o que a exclusão desses dois itens revela sobre as engrenagens reais da economia global?

A lógica por trás do tarifaço

Do ponto de vista macroeconômico, o tarifaço se apresenta como um instrumento de “defesa econômica”,refletindo um protecionismo agressivo (“America Fist”) focado em fortalecer a indústria estadunidense e reduzir déficits comerciais. Contudo, sua função vai além. Trump tenta atuar em pelo menos três frentes: pressionar países parceiros em disputas estratégicas, fortalecer setores internos considerados vulneráveis e gerar capital político junto a uma base eleitoral nacionalista.

Nos EUA, os efeitos da inflação seguem pressionando o cotidiano das famílias, e o custo de vida tornou-se um ponto sensível do debate público. Nesse cenário, taxar importações soa, superficialmente, como uma resposta firme. Mas quando a teoria encontra a prática, a retórica cede espaço ao cálculo, e este não é favorável aos Estados Unidos. É por isso que, mesmo sob um discurso duro, laranja e petróleo ficaram de fora.

Laranja: a commodity que adoça acordos

O Brasil responde por mais de 80% das exportações globais de suco de laranja, e os Estados Unidos são seu segundo maior comprador, absorvendo quase 42% das exportações. Ocorre que a produção americana, especialmente na Flórida, enfrenta uma crise estrutural há mais de uma década. Doenças como o greening, eventos climáticos extremos e a migração de agricultores para culturas mais rentáveis levaram a uma dependência estrutural do suco brasileiro.

A indústria americana de bebidas, portanto, não consegue operar sem a laranja brasileira. Tarifá-la implicaria elevar preços ao consumidor, pressionar margens industriais e reacender a inflação em alimentos, justamente o que a política comercial pretende evitar.

Foi aí que entrou em campo o pragmatismo: ao preservar a laranja, Trump evitou um desgaste doméstico com sua própria base econômica. E de quebra, permitiu a continuidade de um fluxo comercial bilionário que sustenta centenas de milhares de empregos indiretos nos EUA.

Petróleo: estratégia energética disfarçada de exceção

A lógica do petróleo é ainda mais geopolítica, ele é o principal produto exportado pelo Brasil aos Estados Unidos, representando 18,85% das vendas totais em 2024. Desde o pré-sal, o Brasil emergiu como fornecedor relevante de petróleo leve e de qualidade. Os EUA, embora líderes em produção via shale oil, seguem importando para garantir flexibilidade logística e segurança energética através de um suprimento diversificado.

Refinarias americanas dependem de blends específicos que o petróleo brasileiro ajuda a compor. Além disso, empresas como Chevron e Exxon Mobil têm presença operacional no Brasil, com contratos que envolvem bilhões de dólares, portanto, taxar esse fluxo significaria, em última instância, encarecer o próprio barril refinado dentro dos Estados Unidos e afetar o mercado de energia de Nova York à Califórnia.

Por fim, o petróleo é um ativo altamente sensível nas bolsas. Pequenos choques na oferta já são capazes de alterar curvas de futuro, premiar volatilidade e pressionar índices amplos. Um tarifaço sobre o óleo brasileiro não seria apenas uma questão de comércio exterior, mas também uma imensa dor de cabeça doméstica para o setor energético e para Wall Street.

Dessa forma, ponderar o custo político de não tarifar versus o custo econômico de ver os preços internos subirem ou gargalos surgirem foi o que definiu o peso da caneta do presidente Trump.

Efeitos na bolsa e balança comercial

A balança comercial brasileira com os EUA é historicamente deficitária para o Brasil, e a exclusão desses dois produtos não apenas evitou um desastre cambial, como também preservou quase metade do valor exportado pelo Brasil aos EUA.

Segundo estimativas da Amcham, cerca de 43% das exportações brasileiras ficaram de fora da tarifa de 50%, graças a exceções como essas, sem as quais, setores como o citrícola, por exemplo, enfrentariam um colapso, com interrupção de colheitas e desorganização de cadeias produtivas, enquanto o petróleo poderia ser redirecionado, porém com custos logísticos elevados.

Como sempre acontece, o mercado reagiu de imediato: após a volatilidade inicial, ações da Petrobras se recuperaram, e empresas ligadas à cadeia citrícola demonstraram estabilidade. O dólar arrefeceu, e a inflação implícita futura ficou menos pressionada. Ainda assim, a aversão ao risco se manteve, e os investidores passaram a adotar uma postura mais seletiva com ativos expostos ao comércio exterior, conduta esta que deve permear o mercado por um bom tempo.

Quem perde mais: Brasil ou EUA?

A resposta é menos intuitiva do que parece. O Brasil, claro, sente o baque nas exportações de bens agora tarifados, como carnes, calçados e produtos manufaturados. As perdas estimadas giram entre US$ 8 e 9 bilhões, e o impacto no PIB pode ser próximo de 0,5%, segundo estimam analistas. .

Mas os EUA também enfrentam consequências, já que a tarifa é um imposto sobre seu próprio consumidor. Em setores onde o Brasil é dominante, como café, proteína animal e suco de laranja, o efeito será sentido no preço final do produto. E mais: as empresas americanas que operam no Brasil passam a trabalhar sob incertezas maiores, o que afeta fortemente os planos de investimento e fluxo de capital.

Caminhos futuros e o que observar no radar

O futuro da relação comercial Brasil–EUA dependerá da capacidade de ambos os países em encontrar canais de negociação eficazes. O governo brasileiro já indicou disposição ao diálogo, mas também acionou mecanismos de resposta via OMC e acordos bilaterais.

Enquanto isso, mercados alternativos ganham força na estratégia de diversificação. A China aparece como principal candidata a absorver parte do excedente, mas o Brasil também mira Índia, Indonésia, Emirados Árabes e blocos como a União Europeia e o Mercosul.

Para o investidor, o cenário pede atenção redobrada a cinco frentes:

  • Andamento das negociações bilaterais e possíveis novas exceções.
  • Comportamento do dólar e oscilação de commodities como petróleo, café e carnes.
  • Empresas com forte exposição ao mercado americano, como JBS, Marfrig, Embraer e Petrobras.
  • Sinalização do Fed quanto à inflação, que podem ser retroalimentadas por tensões comerciais.
  • O grau de diversificação das empresas exportadoras brasileiras, especialmente no agro.

A interdependência como freio do extremismo

A decisão de manter laranja e petróleo fora do tarifaço Trump é, no fundo, um reconhecimento silencioso de que a interdependência econômica impõe limites ao discurso político.

Não há espaço para uma guerra comercial total quando as cadeias produtivas estão entrelaçadas e quando o custo recai sobre o eleitor doméstico. E em todos os países do mundo há uma característica comum, muito bem expressa por uma frase do deputado Ulisses Guimarães: “a única coisa que mete medo em político é a voz das ruas”.

Mais do que uma exceção comercial, a isenção desses dois produtos é uma demonstração de como, em tempos de muros retóricos, ainda são as pontes pragmáticas que mantêm o fluxo da economia global em movimento.

Eduardo Mira é investidor profissional, analista CNPI-T (Anbima), mestrando em Economia, com MBAs em Gestão de Investimentos, Análise de Investimentos e Educação Financeira, empresário, sócio do Clube FII e do Grana Capital, escritor e educador financeiro com cursos que já formaram mais de 50 mil alunos. Está nas redes sociais como @professormira

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião da Forbes Brasil e de seus editores.

O post Laranja e Petróleo Fora do Tarifaço Trump: Pragmatismo Estratégico ou Dependência Mútua? apareceu primeiro em Forbes Brasil.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima