5 Anos de Open Finance: os Avanços e (grandes) Desafios da Integração Financeira no Brasil

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Você sabe para o que serve o Open Finance? Não se sinta sozinho. Um relatório da Ernst & Young (EY) lançado no dia 13 deste mês indicou que apenas 28% da população bancarizada no Brasil aderiu ao sistema. Entre as pessoas jurídicas (PJs) esse índice é de 3%.

Inspirado num modelo da Inglaterra que conta com apenas nove instituições, o pressuposto do Open Finance é que o cliente é o dono dos dados que possui em instituições financeiras. Sendo assim, é ele quem decide se quer compartilhá-los com outros bancos, instituições de pagamento, financeiras etc, desde que estejam integradas ao ecossistema do Open Finance. 

Na prática funciona assim: imagine que você tem contas em dois bancos, um “A” e um “B”. Se você está no aplicativo “A” e permite o compartilhamento dos seus dados do “B”, a primeira instituição poderá ver as suas movimentações, saldo e outros dados no concorrente, além de oferecer as melhores propostas de crédito. E vice-versa. 

No Brasil, ele acaba de completar cinco anos, mas ainda parece longe de alcançar os mesmos números que outras inovações do sistema bancário que foram lançadas no mesmo período, tais como o Pix. 

A economista Ana Carla Abrão prefere olhar o copo meio cheio ao falar sobre o Open Finance. Ela preside a Associação Open Finance, criada em 2024 e que começou a operar neste ano de 2025. Em síntese, a entidade coordena a estrutura de governança do Open Finance no Brasil, que está regulada pelo Banco Central, e reúne todos os envolvidos no ecossistema, desde bancos de todos os tamanhos, passando por instituições de pagamento, até fintechs e cooperativas de crédito.

Nesta quinta-feira (28), ela e o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, além de vários executivos da autoridade monetária, participam de um evento para marcar os cinco anos de criação do Open Finance no Brasil.  Organizado pelo BC em parceria com a Fenasbac (Federação Nacional de Associação dos Servidores do Banco Central), o encontro será composto de painéis sobre casos de uso de dados e pagamentos, integração com ecossistemas abertos, governança, futuras implementações e visão de futuro. 

O evento também servirá para o lançamento oficial dos testes de portabilidade de crédito sem garantia. A ideia é aumentar a concorrência no mercado bancário e, assim, oferecer melhores taxas aos clientes.

O copo cheio X o copo vazio

Há quem diga que o sistema falhou ao não se comunicar da forma correta. Outros são mais moderados. Um deles é o especialista em meios de pagamento Thiago Amaral, docente na pós-graduação de instituições como FGV e Insper, e sócio na BTLaw (Barcellos Tucunduva Advogados) que vê “avanços inegáveis”, tais como a jornada sem redirecionamento, catapultada pelo Pix por Aproximação. Com isso, ele diz acreditar que a tendência é a de maior adesão. Porém, ele afirma estar muito aquém do que pode ser. 

Ana Carla, presidente da Associação Open Finance, afirma que não é bem assim, olhando, é claro, o copo meio cheio. “Eu vejo que há muito a se construir. Está apenas abaixo do potencial do que foi construído”, rebate.

Ela não descarta a parte vazia do copo, já que aponta a comunicação como um de seus principais desafios à frente da associação. A executiva tem mais de 20 anos de atuação no setor privado, em instituições tais como Itaú, Tendências, Oliver Wyman e B3, além do setor público, com Banco do Brasil, Fazenda do Estado de Goiás e BC.

Panorama em números

Ana Carla sustenta sua fala nos números. Com base neles, é possível afirmar que o Brasil tem o maior Open Finance do mundo no comparativo com os seus pares. São 700 instituições participantes, e 65 milhões de contas ligadas ao sistema,  número que representa 40 milhões de pessoas. Estima-se que o sistema no Brasil movimente milhões de consultas ou inserções de dados no sistema por semana. O ecossistema brasileiro cresce 7 vezes mais rápido que o britânico, com 2 milhões de novos usuários por mês. A penetração na população bancarizada por aqui, de 28%, também supera a do Reino Unido, de 21%.

Os dados indicam ainda que instituições brasileiras acessam os dados de um mesmo cliente 12 vezes ao dia, uma taxa quase três vezes maior que a do Reino Unido, indicando que os dados estão sendo efetivamente utilizados para alimentar produtos e decisões de negócio, aponta a  EY em relatório. 

E o ecossistema está indo “além do financeiro”.  Atualmente, 22% dos consentimentos já são direcionados a empresas não reguladas pelo Banco Central, como companhias aéreas, marketplaces e petshops, mostrando o potencial de parcerias e a busca por principalidade na vida dos clientes, dizem os autores do relatório da consultoria.

O copo vazio

Agora vem o copo vazio. A maior parte das instituições, 62%, simplesmente não vê valor no Open Finance, tratando-o como uma obrigação regulatória em vez de uma ferramenta para criar experiências e valor real para os clientes. 

Outra questão preocupante é a qualidade dos dados. Para 30% dos entrevistados, falta mecanismos eficientes de monitoramento e a baixa capacidade das instituições de usar os dados comprometem a confiança no sistema. O ritmo de atualizações regulatórias, esta, a cabo do BC, é visto como um problema por 38% das instituições. 

Como possui um escopo amplo, outro desafio do Open Finance é o de ampliar o tráfego de APIs de investimentos e outros produtos, já que eles estão concentrados em contas e cartões. Apesar de soar contraditório, as instituições que oferecem o Open Finance como um recurso isolado (botão na home do aplicativo) obtêm 50% menos consentimentos, o que demonstra uma nítida dificuldade na integração com a experiência do usuário. Há ainda uma baixa percepção de proposta de valor pelos clientes pessoa física, uma das razões que também explicam a penetração baixa de 3% de pessoas físicas (PJ).

Há ainda outras questões, tais como a baixa adesão das empresas de cartões, embora a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) ocupe um dos 10 assentos no Conselho da Associação Open Finance. 

Duas das principais bandeiras, a Visa e Mastercard, lançaram iniciativas recentemente para melhorar o quadro. No caso da Mastercard, a entrada no ecossistema foi feita por meio de uma fintech, a Lina OpenX. A proposta, por ora, envolve dados e pagamentos para emissores, adquirentes, fintechs, varejistas e outros players, incluindo onboarding digital, insights de crédito e iniciação de pagamentos. Já em junho a Visa lançou o Visa Conecta, que tem foco inicial na jornada sem redirecionamento, uma das premissas do Open Finance, e muito usada no Pix. Apesar de não participar do Open Finance, ela participa das discussões.

O Banco Central foi procurado repetidas vezes para comentar o assunto, porém, não respondeu aos pedidos.

Crédito: Cacalos Garrastazu/Associação Open Finance

Ana Carla Abrão, presidente da Associação Open Finance

“O usuário final ainda não entende o que é o Open Finance”,  diz Ana Carla. Em entrevista, ela fala mais sobre  o Open Finance no Brasil, suas perspectivas e desafios. Perguntas e respostas foram editadas para melhor compreensão, coesão e fluidez. Confira abaixo.

Forbes: Qual o papel da Associação Open Finance no ecossistema?

Ana Paula Abrão: A associação atua como uma aglutinadora de todos os stakeholders. Ela reúne os diversos interesses dos participantes, que são muito variados, indo desde grandes bancos, representados pela Febraban, até iniciadoras de transações de pagamentos (ITPS), bancos médios, cooperativas de crédito e fintechs. Todas essas instituições reguladas têm assento no conselho de administração da associação, que hoje tem 10 cadeiras, sendo 8 delas ocupadas por representantes dessas associações.

Os 65 milhões de contas conectadas ao Open Finance representam pouco menos de 30% da população bancarizada do país. Não é pouco?

Esse número de contas conectadas ativas é um bom ponto de partida, pois a informação exata sobre o número de pessoas é difícil de precisar. Uma mesma pessoa pode ter mais de uma conta e dar o consentimento em mais de uma delas. A gente estima que existam cerca de 200 milhões de brasileiros bancarizados. Então, se formos considerar o número de contas, o percentual de 30% pode estar correto. No entanto, é complicado fazer uma comparação precisa, por isso focamos na métrica de contas conectadas.

Quais são os grandes cases de uso de dados do Open Finance até agora?

O principal caso, e que teve a maior adesão, é a consolidação de saldos. Hoje, quando você conecta suas contas, consegue ver os saldos de todas as suas instituições em um único aplicativo. Outro caso é o uso das informações de um banco para iniciar um relacionamento com outra instituição financeira. Isso permite que a nova instituição ofereça um limite de crédito ou um produto, já considerando seu histórico no outro banco. Outro caso muito comum é o de investimentos. Ao transitar as informações de investimento entre duas instituições, você pode receber ofertas melhores em um banco onde você não tinha relacionamento. Isso promove mais competição e traz benefícios para o consumidor.

O Pix Automático pode ser citado como um case para tangibilizar o uso dos dados?

Sim, porque a operação de dados e a de pagamentos estão convergindo cada vez mais. Os trilhos do Open Finance se iniciaram com a intenção de transmitir informações e, agora, entraram no mundo dos pagamentos, alavancando as funcionalidades do Pix. Um bom exemplo disso é o “trazer dinheiro”. Por meio do aplicativo de um banco, você consegue conectar sua conta de outra instituição e fazer uma transferência bancária (Pix) daquela outra conta para a sua. Isso só é possível porque os trilhos do Open Finance e do Pix estão conectados.

O usuário final, o consumidor, já entende o que é Open Finance?

Não, ele não entende. A comunicação do Open Finance é um dos principais objetivos da associação. O que a gente quer é que as pessoas percebam os benefícios da tecnologia, e não necessariamente que entendam o termo ou a complexidade por trás dela. Hoje, os números mostram que as pessoas estão usando a infraestrutura, mesmo sem saber que é Open Finance. Nosso objetivo é fazer com que mais consumidores e empresas saibam o que é, para que comecem a usá-la e percebam os benefícios.

Como tangibilizar o Open Finance para o usuário final?

Existem duas formas de tangibilizar isso. A primeira é ampliando o conhecimento sobre o tema, sempre vinculando-o ao fato de que, ao conectar as contas, o usuário tem o poder de fazer seus dados transitarem de forma segura. E, ao fazer isso, ele abre um leque de possibilidades, como ter acesso a melhores ofertas de crédito e investimento. O nosso processo de comunicação vai muito nessa direção. A segunda forma, que está se tornando cada vez mais forte, é o próprio movimento das instituições financeiras. Elas estão percebendo que não ter seu cliente no Open Finance é uma desvantagem competitiva, pois ele pode estar usando a infraestrutura em outra instituição.

Quais os maiores desafios para a adesão de empresas ao Open Finance?

É muito mais complicado para uma empresa, principalmente aquelas com múltiplos sócios, aderir e conectar suas contas. O processo de conceder a autorização para o compartilhamento de dados passa por uma discussão sobre quem tem o poder para fazer isso. Em uma conta de pessoa física é simples, mas em uma de pessoa jurídica, mesmo com um único sócio, pode haver a delegação para um contador, por exemplo. O banco, nesse caso, não sabe se o CPF tem o poder para autorizar. Resolver essa questão é fundamental para que mais empresas possam aderir, pois hoje o número ainda é pequeno.

O Open Finance está aquém do que poderia ser?

Não. Ele está abaixo do seu potencial, mas a afirmação de que ele está “muito aquém” não se sustenta. O Open Finance foi criado de uma forma que é interoperável por desenho, tem um escopo de dados muito valioso e conta com um espectro de participantes que permite inovação e segurança. Nós ainda temos muito a construir em cima do que já foi feito, e é por isso que o potencial é tão grande.

Qual o principal desafio para o Open Finance no curto, médio e longo prazo?

O maior desafio é definir prioridades. Como há um potencial muito grande para ampliar funcionalidades e expandir o perímetro de dados, o mais importante é garantir que a gente defina prioridades com base no impacto esperado para a sociedade. Falamos de portabilidade de crédito pessoal e consignado, por exemplo, mas há tantas outras funcionalidades que podem ser implementadas. O desafio é saber o que precisa vir primeiro e o que vai gerar mais valor para o cliente e para a sociedade.

Os números do Open Finance no Brasil não precisam ser relativizados com seus pares mundo afora?

Estive recentemente em Londres e em todas as reuniões a pergunta era a mesma: “O que vocês conseguiram lá? Qual é o segredo desse sucesso?” Outros países começaram antes do Brasil e não estão nem perto do que já atingimos em termos de implementação de funcionalidades, casos de uso e adesão. Em todas as medidas, mesmo relativizando pelo tamanho do país, os números brasileiros são expressivamente maiores. O sucesso se deve ao fato de termos tido um regulador que, desde o início, deixou claro que essa era uma agenda prioritária do Banco Central.

Sobre a segurança do sistema, como o Open Finance trabalha para gerar mais confiança no usuário?

A segurança do sistema passa por três pilares. O primeiro é o processo de normatização e supervisão do Banco Central sobre os participantes. O segundo é o monitoramento da associação para garantir a transparência na comunicação com o cliente. Isso inclui explicar o que significa o compartilhamento de dados, quais dados serão compartilhados e como cancelar o consentimento. Por fim, há um trabalho de educação financeira. A união desses pilares fortalece a segurança do sistema e ajuda a quebrar a desconfiança.

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