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A derrota da Medida Provisória 1303 na Câmara dos Deputados foi um marco político que ultrapassa o campo da tributação. Ao caducar, a MP deixou um rombo fiscal estimado em mais de R$ 30 bilhões e expôs a fragilidade da articulação entre o Executivo e o Congresso. O impacto imediato é político, mas os reflexos mais profundos serão sentidos na economia real e no mercado financeiro.
A MP era uma tentativa de equilibrar as contas públicas sem recorrer ao aumento do IOF. O plano do Ministério da Fazenda era simples no papel: taxar parcialmente instrumentos hoje isentos como LCIs e LCAs, fundos de investimento, JCP e receitas de apostas esportivas, para compensar a perda de arrecadação com a revogação do decreto do IOF.
O objetivo era gerar até R$ 17 bilhões de reais em novas receitas e contribuir para a meta de superávit de 2026.
Setores poupados e o efeito macroeconômico
Com a rejeição, nada muda para os setores que seriam tributados. Bancos, incorporadoras e operadoras de apostas saem, individualmente, beneficiados: continuam a operar em um ambiente tributário mais leve.
A contrapartida, porém, é que o governo perdeu uma das poucas fontes novas de arrecadação que não dependiam de endividamento. E é justamente nesse ponto que a vitória setorial se transforma em risco macroeconômico.
Sem a MP, o Ministério da Fazenda precisará recorrer a alternativas mais onerosas ou impopulares para cumprir a meta fiscal. Entre as opções estão cortes de despesas, bloqueio de emendas parlamentares e emissão de títulos públicos.
Qualquer uma delas tem efeito colateral: reduz o espaço de investimento do Estado ou eleva o custo da dívida. A consequência é uma combinação de maior incerteza, juros mais altos e um ambiente menos previsível para quem toma decisões de investimento.
Como a incerteza atinge a economia real
Quando o governo perde um instrumento de arrecadação e não deixa claro como irá substituí-lo, empresas e investidores passam a operar com mais cautela.
Decisões de expansão são adiadas, contratações são revistas e o consumo das famílias é afetado pela expectativa de juros mais elevados. O que se vê, na prática, é um congelamento parcial das decisões econômicas diante de um cenário de dúvidas fiscais.
No mercado financeiro, o reflexo é imediato. A curva de juros reage à percepção de risco maior. O prêmio exigido para financiar o governo sobe, pressionando títulos públicos e alongando prazos.
A Bolsa tende a oscilar mais fortemente, refletindo tanto a incerteza política quanto o temor de que novas medidas tributárias surjam de maneira apressada para tapar o buraco. O real, por sua vez, fica mais vulnerável à volatilidade externa, já que a falta de clareza fiscal costuma afastar capital estrangeiro.
A derrota política e o custo de governar
Do ponto de vista político, a derrota é simbólica. O governo apostava na aprovação da MP para demonstrar capacidade de coordenação e compromisso com o equilíbrio das contas.
Ao ser barrada por uma aliança entre oposição e parte do centrão, a proposta expôs a dificuldade do Executivo em formar maioria em temas sensíveis, mesmo após concessões significativas no texto original. Essa perda de tração legislativa tende a encarecer futuras negociações e amplia o custo político de novas medidas fiscais.
Para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o desafio agora é duplo: recompor a confiança do mercado e, ao mesmo tempo, encontrar alternativas que fechem a conta sem gerar desgaste social em ano pré-eleitoral.
Técnicos da pasta já avaliam medidas administrativas, portarias e ajustes regulatórios que possam recuperar parte da arrecadação, mas dificilmente elas terão o mesmo alcance fiscal que a MP proporcionaria. Em paralelo, cresce o risco de que cortes em investimentos públicos sirvam de válvula de escape, o que afeta diretamente a atividade econômica e o emprego.
A mensagem ao mercado e as possíveis consequências
A reação dos agentes econômicos deve ser cautelosa, mas não catastrófica. O arquivamento da MP 1303, por si só, não muda os fundamentos da economia. O problema está na mensagem que ele envia: de que o compromisso com o equilíbrio fiscal pode ser interrompido por disputas políticas. Essa percepção é o que eleva o custo de capital, reduz o apetite por risco e compromete o ritmo da retomada.
Se o governo responder rapidamente com um plano de compensação crível e transparente, o impacto pode ser contido. Mas se o impasse se prolongar, a consequência será uma espiral de desconfiança: mais juros, mais dívida e menos crescimento.
O episódio da MP 1303 mostra que, no Brasil, o desafio fiscal não é apenas técnico, é também político, e que a economia paga o preço toda vez que a política decide empurrar o problema para depois.
Eduardo Mira é investidor profissional, analista CNPI-T (Apimec), mestrando em Economia, com MBAs em Gestão de Investimentos, Análise de Investimentos e Educação Financeira, empresário, sócio do Clube FII e do Grana Capital, escritor e educador financeiro com cursos que já formaram mais de 50 mil alunos. Está nas redes sociais como @professormira
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